Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, é o filme mais importante do Brasil este ano

Por Janaina Pereira, de Veneza

Depois de mais de duas décadas sem concorrer ao Leão de Ouro, o prêmio principal do Festival de Veneza – a mostra de cinema mais antiga do mundo – o Brasil voltou em grande estilo ao evento. Ainda Estou Aqui, novo filme do cineasta Walter Salles (Central do Brasil) estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, foi um dos 21 concorrentes na 81ª edição do Festival. Além de aplausos calorosos nas sessões de imprensa e oficial (com a presença do diretor e elenco), o longa saiu de Veneza com o prêmio de melhor roteiro para Murilo Hauser e Heitor Lorega.

Hauser e Lorega adaptaram o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre a história de seus pais, Eunice e Rubens Paiva. De Veneza, seguiu para o Festival de Toronto onde também foi recebido com entusiasmo. Tanto o evento italiano quanto o canadense são termômetros para o Oscar, e o filme brasileiro desponta como uma possibilidade real de brilhar naquela que é a maior festa do cinema mundial. Mas por que Ainda Estou Aqui está fazendo tanto sucesso? O que ele tem de especial para agradar tanto o público quando a crítica especializada?

Walter Salles dirige Fernanda Torres e grande elenco

Ainda Estou Aqui (o filme e o livro) se passa no Rio de Janeiro, no ano de 1970.  A ditadura militar toma conta do país e a família Paiva não está alheia ao que acontece ao seu redor. O ex-deputado Rubens (vivido por Selton Mello), sua esposa Eunice (interpretada por Fernanda Torres) e seus cinco filhos tentam levar uma vida normal, sem deixar de ficar atentos ao que está acontecendo no Brasil. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice precisa se reinventar para criar os filhos, ao mesmo tempo em que inicia uma busca para saber onde está seu marido.

Rubens (Selton Mello) e Eunice (Fernanda Torres)

Longa estrada

Para realizar o filme, o diretor Walter Salles trabalhou no projeto por sete anos, o que incluiu 15 versões do roteiro. Um detalhe importante é que Walter conheceu a família Paiva: ele era amigo de infância de Ana Lúcia, uma das irmãs de Marcelo Rubens Paiva. A memória afetiva do cineasta, somada ao trabalho que o próprio Marcelo fez junto à produção do filme, tornam Ainda Estou Aqui  um filme que se aproxima do espectador. Desde o primeiro minuto de projeção, somos convidados a entrar naquela família, partilhar de suas histórias e viver seu dia a dia. O Rubens de Selton Mello e a Eunice de Fernanda Torres poderiam ser nossos vizinhos; aquela família bacana, cheia de crianças em casa, que está antenada com tudo que acontece na época – e ‘tudo’ inclui o excelente gosto musical, o que faz a trilha sonora ser um dos pontos altos do longa.

A partir do momento em que Rubens desaparece, já estamos tão envolvidos com aquela família que também queremos saber o que aconteceu. E, mesmo ausente, Rubens está sempre presente de alguma forma, porque Eunice não deixa que sua lembrança desapareça. É neste momento que a atuação espetacular de Fernanda Torres salta aos olhos, dando voz a Eunice mesmo quando ela não fala.

O filme é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva (à esquerda) sobre a história de seus pais

Ontem e hoje

Outro ponto fundamental em Ainda Estou Aqui é o momento em que ele chega às telonas do mundo inteiro. Percorrendo o circuito de festivais – estará na 72ª edição do Festival de San Sebastián, na Espanha, na próxima semana, seguindo para o 62º Festival de Nova York, o 68th BFI London Film Festival e a 48ª Mostra de Cinema de São Paulo, onde fará sua estreia no Brasil – ele tem levantado o debate de como a ditadura brasileira é um tema a não ser esquecido, especialmente com a ascensão da extrema-direita em vários países. No Festival de Veneza, os comentários dos jornalistas italianos era sobre como é preocupante a situação política do Belpaese e o quanto Ainda Estou Aqui reflete a importância da democracia e da liberdade. O curioso é que o filme começou a ser produzido bem antes desse momento obscuro assombrar o mundo.

A intimidade que criamos com a família Paiva e a relevância de que fatos do passado precisam ser lembrados agora (para não se repetirem mais!) fazem de Ainda Estou Aqui um filme necessário para todas as gerações. Produzido pela Videofilmes, RT Features e Mact Productions, Ainda Estou Aqui é o primeiro filme original Globoplay, em coprodução com ARTE France e Conspiração. Com distribuição no Brasil pela Sony Pictures, o filme estreia em breve exclusivamente nos cinemas, mas, desde já, vale ficar atento e não perder sua exibição assim que ele chegar à sua cidade. É uma obra que merece os aplausos, os prêmios e a importância que está conquistando mundo afora. Que venha o Oscar também.

Veja o trailer do longa:

Fotos: @conspiracaofilmes , @simonezucolotto e @seltonmello

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