Poucos artistas contemporâneos sabem traduzir tão bem o tempo em que vivem quanto Hayley Williams. E, talvez, seja justamente por isso que o lançamento de Ego Death At A Bachelorette Party seja mais do que apenas um álbum solo: é um manifesto de independência, vulnerabilidade e reinvenção de uma artista que carrega duas décadas de palco, mas ainda soa como se estivesse começando algo novo.
Depois de surpreender os fãs em agosto, com uma coletânea de 17 singles soltos que viralizaram em fóruns e no site colaborativo hayleysingles.com, a também vocalista da banda Paramore embaralhou as cartas do próprio jogo, quase como um jogo em que as pessoas selecionam a ordem que querem ouvir. Movimento genial em uma era de streamings e, pra mim, uma crítica ao sistema que ‘reprime’ a criatividade.

“Eu queria me esquivar da responsabilidade [de montar a tracklist]. Eu meio que estava interessada na perspectiva de outras pessoas também, porque chega um ponto em que você está no olho do furacão, tipo, fazendo as coisas e passando por outras, e, realmente, não consegue ter essa perspectiva. Então, tem sido muito interessante”, disse Hayley em entrevista no programa The Zane Lowe Show.
Depois da surpresa, a cantora decidiu organizar esse quebra-cabeça em um disco coeso, previsto para lançamento físico em novembro, reafirmando a sua coragem de quebrar formatos, subverter expectativas e reescrever sua própria trajetória.

Mil e uma utilidades
Produzido por Daniel James, o trabalho traz Williams não apenas como intérprete, mas como multi-instrumentista e co-produtora, uma prova de autonomia criativa que ecoa sua nova fase. Não é coincidência que este seja o primeiro lançamento em seu selo independente, a Post Atlantic, após o rompimento de mais de 20 anos de contrato com a major Atlantic Records. A mensagem é clara: Hayley não é mais apenas a voz de uma geração emo-pop; ela é dona do próprio caminho.
O disco transita entre contrastes: em “Mirtazapine”, uma carta de amor ao alt-rock dos anos 90 e aos antidepressivos, ouvimos a vulnerabilidade de quem não tem medo de expor fragilidades. Em “Glum”, Williams distorce a própria voz em presets eletrônicos para falar de solidão, mostrando que sua inquietação artística não cabe em moldes previsíveis. Já “Ice in My OJ” prova que a cantora sabe rir de si mesma, revisitando versos de 2004 com sarcasmo afiado, algo que também faz nas canções do Paramore.

A crítica especializada não poupou elogios. A Rolling Stone disse que “nunca ela soou tão certa de si”. A Paste classificou o disco como “uma nova direção ousada para a melhor frontwoman do rock do milênio”. E, de fato, ouvir Hayley agora é testemunhar uma artista que, depois de tantas batalhas, dentro e fora do Paramore, se permite experimentar sem pedir permissão.
O simbolismo vai além da música. Há algo profundamente relevante em ver uma mulher que cresceu sob o peso da indústria musical masculina conquistar sua independência criativa aos olhos de todos. Ela é um ícone (momento fã) de rebeldia feminina e musical.
Além disso, em um cenário onde a juventude muitas vezes é tratada como a única moeda de valor no pop, Hayley prova que maturidade e longevidade podem ser combustíveis criativos tão ou mais poderosos. Se quiser mais provas, ouça os outros dois discos solos dela, o “Petals for Armor” (2020) e “Flowers for Vases / Descansos” (2021).
E se ainda resta alguma dúvida sobre sua relevância, basta lembrar: Hayley Williams é referência declarada para artistas como Billie Eilish, Chappell Roan, Doechii e até mesmo Taylor Swift. A mesma adolescente que estourou com “Misery Business” em 2007 agora influencia a nova safra de vozes que moldam o futuro do pop e do rock.
Ego Death At A Bachelorette Party não é só um disco. É um lembrete de que morrer para um ciclo pode ser o primeiro passo para nascer em outro, mais autêntico, mais arriscado, mais seu. E é justamente essa ousadia que mantém Hayley Williams não apenas relevante, mas essencial.
